segunda-feira, 17 de junho de 2013

Além do Infinito

A batalha filósofica de Georg Cantor para ampliar a fronteira da matemática
Carmen Kawano

Alexandre Camanho
Intuitivamente podemos dizer que infinito é algo que não tem fim ou algo que nunca será atingido. O homem sempre buscou o entendimento sobre essa questão de alguma maneira. Os pensadores da Antiguidade anteriores a Pitágoras (século 5 a.C.) já eram atormentados por esse tema. Mas foi só no final do século 19, na Alemanha, com Georg Ferdinand Ludwig Philipp Cantor (1845-1918) que a idéia de infinito foi realmente consolidada na matemática. Sua teoria era revolucionária e, por isso mesmo, acabou gerando embates e animosidades entre os matemáticos da época.
Filho de imigrantes dinamarqueses nascido na Rússia, Cantor se mudou para a Alemanha com a família ainda menino. Lá ele estudou teoria dos números para depois se lançar aos estudos dos conjuntos (inclusive dos números). Seu conhecimento o permitiu mergulhar na idéia de infinito de forma que pudesse ser usada na matemática. Na época de Cantor, os matemáticos conservadores desprezavam os estudos sobre os números irracionais -aqueles com infinitas casas decimais que não se repetem - , o conceito de infinito e tudo o que se relacionava a eles. Em particular, Leopold Kronecker (1823-1891), que tinha sido professor de Cantor, liderava uma campanha contra esses estudos e contra seu próprio ex-aluno.
O conflito acadêmico também chegou à esfera pessoal, e a entrada de Cantor em círculos de mais altos níveis da matemática foi barrada. Ele chegou até a enfrentar dificuldades para publicar seus trabalhos em revistas conceituadas.
Pessoalmente, Cantor acreditava que existiam vários níveis de infinito. O mais alto deles, o Absoluto e inatingível, era o próprio Deus. Seu caráter místico e sua mente conturbada devem tê-lo levado a se debruçar sobre tal tema tão profundo, revolucionário e ousado na matemática.
Kronecker aproveitava o lado esotérico de Cantor para acusar suas teorias matemáticas de misticismo ficcional. Segundo o ex-mestre, cientistas não deveriam dar crédito ao seu ex-aluno, e seus trabalhos 'subversivos' deveriam ser rejeitados pelas revistas científicas renomadas.
Como resultado, Cantor sempre trabalhou sozinho e fora do centro da comunidade matemática. Suas frustrações e as perseguições, somadas ao trabalho estafante e solitário - e ao caráter explosivo e irritadiço do matemático - , acabaram por minar sua saúde mental. Ele foi internado várias vezes para se recuperar das depressões, mas, entre uma crise e outra, prosseguia no trabalho.
Os matemáticos já sabiam do caráter infinito de alguns conjuntos, como o dos números inteiros, dos racionais (os que podem ser escritos como fração de dois números inteiros), dos irracionais e dos reais (que englobam os inteiros, os racionais e os irracionais). Mas ninguém ainda tinha parado para pensar que alguns conjuntos podem ser mais infinitos que os outros. Estranho? Cantor demonstrou que, embora infinitos, os números racionais podem ser enumerados - ou contados - , assim como os inteiros. Mas os irracionais são 'mais infinitos' que os racionais e não podem ser contados. Então, a quantidade de infinitos racionais, valor chamado de 'alef zero', é menor que a quantidade de infinitos irracionais, chamada de 'alef 1'.
Em outras palavras, Cantor nos disse que os números racionais, assim como os inteiros, são, de fato, infinitos, mas são contáveis. Já os irracionais seriam infinitos e incontáveis. E o infinito dos números racionais é menor do que o infinito dos números irracionais.
Cantor conseguiu quantificar e dar uma hierarquia aos níveis de infinito. Por incrível que pareça, apesar de a idéia ser totalmente contra nossa intuição, seu trabalho colocou em bases sólidas a análise de conjuntos, funções e outros elementos que têm caráter contínuo na matemática. A mesma solidez foi dada às ciências, que não sobrevivem hoje sem os cálculos usando números reais.
Só que tudo isso custou ao matemático perseguições e sua saúde mental. Ele morreu de ataque cardíaco, abatido, doente e só, o que não foi muito diferente dos acontecimentos na Grécia Antiga. A idéia de infinitude e a descoberta dos números irracionais já tinham causado muito tumulto entre os pitagóricos que veneravam os números inteiros. Mas isso só até descobrirem os números irracionais.
Gabriela Favre
A tartaruga campeã

O primeiro pensador a refletir sobre o infinito na Antiguidade foi o grego Zenão (495-435 a.C.). Ele lançou o problema da corrida entre Aquiles, o mais veloz corredor do mundo, e uma tartaruga, que por ser lenta poderia largar certa distância à frente. Porém,  argumentou Zenão, o atleta nunca alcançaria o animal pois quando ele chegasse no ponto de partida da tartaruga, ela já teria avançado mais uma distância. E isso se sucederia infinitamente, se pensarmos em dividir os espaços infinitamente.
Gabriela Favre
Hotel infinito
Mais de dois milênios depois de Zenão, os matemáticos inventaram um modo de ilustrar o problema do infinito na matemática com a charada do Hotel Infinito.
Imagine que você chega à recepção e pede uma vaga. O gerente diz que não há mais lugar. Apesar de possuir infinitos quartos, estão todos ocupados. Mas existe uma forma de você poder ficar com um. Qual será?
Solução: você diz para o gerente deslocar o hóspede do quarto número 1 para o quarto número 2. O hóspede do quarto número 2 deve ser deslocado para o quarto número 3. E assim sucessivamente, ao infinito. Nenhum hóspede vai ficar sem quarto pois há infinitos quartos. Da mesma forma, o gerente pode deslocar o hóspede do quarto número 2 para o quarto de número 4, do número 3 para o número 9, do 4 para o 16, sucessivamente. Agora, vamos ter infinitos quartos vazios também.
http://revistagalileu.globo.com

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